O dia em que me confundiram com um terrorista

Às vezes é fácil imaginar como vai ser um dia. Muitas vezes nem tentamos e muitas vezes falhamos. Mas tem dias que no final você está só deixando a roda girar, aguardando o momento de deixar o corpo assumir as rédeas e te tirar da vigília. Este foi um desses dias.

Era setembro de 2011, dez anos após o famoso atentado que aterrorizou tanta gente no início deste século. Nesta época também estava muito envolvido com os trabalhos da Igreja Batista. Eu participava de um grupo de jovens regional e naquele anos decidimos que o tema seria “compartilhe o amor”. A gente sempre quis falar mais de amor e caridade do que de religião de fato. Mais unir do que separar e esse tema parecia perfeito, já que ele era bem agnóstico e já que estávamos no início do termo compartilhar das redes sociais.

Já tínhamos um bom tema e como sempre a gente sempre fazia uma camisa pra poder divulgar o tema. Daí eu pensei em algo que julguei ser uma ideia sensacional — a camisa seria composta por “compartilhe o amor” em vários idiomas, mais uma forma de dizer que o amor era uma linguagem internacional.

A camisa foi um sucesso e inclusive várias pessoas na rua me perguntavam onde eu comprei e eu dizia orgulhoso que eu quem tinha feito. Tinha cuidado de tudo desde a arte até acompanhar o pessoal da estamparia fazer o Silk em cada camisa.

Eu vestindo a camisa em 2011
Eu vestindo a camisa em 2011

Nesta ano eu também fiz a minha primeira viagem para o hemisfério norte. Depois de algumas desventuras de eu mais 2 amigos tentarmos tirar nosso visto. Finalmente conseguimos viajar para os Estados Unidos com o dólar a 1.60 (saudades).

Esta viagem foi espetacular por 3 motivos. Um por que foi a viagem que eu mais ri em toda a minha vida, pois a todo momento estávamos fazendo piadas com o outro, de si mesmos, ou de alguma situação. Segundo por que fizemos um itinerário que nos permitiu visitar lugares muito foda e também por que com o dólar a 1.60 tudo parecia muito barato e pudemos comprar muitas coisas.

Logo visitas a outlets viraram rotina nas nossas viagens. Perdi a conta de quantas lojas entramos e de coisas que a gente convertia pra real e comparava com o preço no Brasil. Coisa de brasileiro no exterior.

Certo dia estávamos em mais um outlet, e já estava muito cansado, quase dormindo em pé. Um dos meus amigos era de longe o que mais comprava e após entrar em muitas lojas eu decidi que daria uma volta e arrumaria um lugar para sentar enquanto eles continuavam.

Essa é uma foto que tirei no cenário que a história a seguir aconteceu
Essa é uma foto que tirei no cenário que a história a seguir aconteceu

Essa é uma foto que tirei no cenário que a história a seguir aconteceu

Nisso que saí, fui abordado por um homem que meio que me encurralou de forma sutil e começou a conversar comigo.

Nesse dia estava usando a minha famosa camisa e ele me perguntou sobre os escritos. Eu já tinha sido abordado algumas vezes e sabia que as pessoas gostavam daquela camisa. Eu prontamente disse que estava escrito “compartilhe o amor” em vários idiomas, mas ele queria saber de um peculiar.

Ele apontou para uma parte da camisa e disse:

– E aqui o que está escrito?

Eu disse:

– E compartilhe o amor também!

Ele retrucou:

– Certo mais em que idioma?

–É Árabe.

Eu disse eu de forma empolgada. E completei:

– É de um grupo religioso!

Nesse momento a feição do rapaz mudou e ficou muito séria. Ele perguntou:

– Você fala esse idioma?

Eu respondi:

– Não usei o Google Tradutor mesmo.

Ele continuou sério e perguntou de onde eu era. Eu respondi ainda mais empolgado que era do Brasil. Estava muito feliz que estava conversando em inglês com alguém que se interessava tanto pela camisa que eu confeccionei.

Ele ficou me olhando pensativo e eu comecei a ficar desconfortável e a não entender o que estava acontecendo. Após um instante ele disse pra eu ir embora eu eu saí meio sem saber o que estava acontecendo.

Fiquei alguns minutos refletindo e digerindo aquele papo. Por que tantas perguntas? Por que ele gostou tanto da camisa? Por que Árabe?

Aí caiu a ficha de que faziam exatamente 10 anos do atentado do 11 de setembro e os EUA estavam apreensivos com a possibilidade de um novo ataque.

Quando encontrei meus amigos de novo contei a história pra eles e eles exclamaram que isso podia ter dado muita merda e que era para eu jogar aquela camisa no lixo pra não ter problemas de novo. Eles não queriam ser presos juntos comigo!

Ao irmos embora ainda vimos de novo o homem, mas dessa vez andando apressado junto com um grupo de policiais e a história fez um pouco mais de sentido.

Chegando no hotel eu fiquei num dilema, já que teria que me desfazer da camisa que tanto gostava. No final de tudo resolvi colocar ela no fundo da mala bem escondida e passei o resto dos dias nos Estados Unidos torcendo para que não abrissem minha mala e me confundissem com um terrorista novamente.